MARILIA DO ESPIRITO SANTO CARVALHO

Adotando como estudo de caso A Chegada dos Candangos, terceira parte de Brasília, Sinfonia da Alvorada (1960), esta pesquisa aponta a participação de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes na formulação e divulgação de um tipo específico de brasilidade musical. Uma brasilidade que se inspira nos sertões do nosso país, sobretudo nos sertões do Nordeste, e que sonoramente lança mão, entre outros recursos, de procedimentos composicionais ditos modais. Esse debate é empreendido por meio do diálogo entre críticas musicais e depoimentos de artistas populares brasileiros que, a partir dos anos 1960, aderiram a essa poética – aqui identificada por modalismo nordestino – e estudos sobre nacionalismo e invenção de tradições. Para isso, apresenta-se uma revisão do conceito de modo, partindo de textos didáticos e chegando a autores do campo musical que refletem sobre os (des)entendimentos que acompanham o modalismo. Nesse percurso, são apontados sentidos e valores que se aglutinam em torno desse rótulo e elencados elementos que contribuem para a sua polissemia. Uma vez assinalada a imprecisão do termo modo e de suas derivações, destaca-se uma tendência a restringir o assunto a uma perspectiva binária, na qual o modal se opõe ao tonal, e é atribuído a músicas que, em diferentes medidas e por diferentes razões, não se adequam ao tonalismo. Além de reiterar a teoria musical como um território instável, marcado por disputas, onde os termos e preceitos precisam ser constantemente revisitados, tal constatação permite uma leitura do modalismo nordestino enquanto tradição inventada. Enquanto um movimento, tendência ou voga da música popular brasileira que se desponta nos anos 1960 e se expande, nas duas décadas seguintes, com projeto estético e ideológico específico. Tal projeto, conforme mencionado, é comentado por meio de A Chegada dos Candangos e de outros casos musicais que se articulam a essa composição. Nesse processo, são mobilizados dados e documentos originais sobre a biografia da Sinfonia da Alvorada, que reiteram seu potencial simbólico, representativo do projeto de identidade nacional brasileira que se buscava colocar em prática na época da sua feitura.